sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

“Negreiro” Viação Jurema -42


Ao tomar conhecimento dos relatos “O ônibus negreiro” da Guarapiranga do colega Carlos
Fatorelli, novas lembranças acabaram se soltando de dentro da minha caixa de pandora.

Minha família, nada tinha de cigana, mas periodicamente estavam de mudança de uma região para outra e de um bairro para outro.
Aos 22 anos estava desta vez morando próximo ao largo de socorro no inicio da  av. Guarapiranga. Mas trabalhava no centro da cidade, na rua 24 de maio.
Acordava bem cedo na tentativa de pegar vazio o ônibus da Viação Bola Branca ou Jurema para ir sentado até o centro aproveitando assim para dar uns bons cochilos. Saía de casa às 6 horas pois entrava no banco às 8:00. Eram 40 minutos diários até o centro. O trajeto do ônibus seguia  em direção ao Largo Treze, continuando pela Av. Adolfo Pinheiro e atravessava de cabo a rabo a Avenida Santo Amaro parando de ponto em ponto para recolher pessoas. Depois seguia para a Nove de Julho percorrendo toda a sua extensão para no final descarregar o povão na Praça das Bandeiras. No banco o expediente ia até as 17 horas.

Para aliviar a tensão no trabalho, a diversão na hora do almoço era ficar na porta da Galeria do Rock apreciando o movimento e com os bolsos cheios de elásticos para atirar na poupança de cada popozuda que passava. Quase todo dia tinha encrenca...

Ao final do expediente nos reuníamos para uma ou duas cervejas no sujinho na galeria que fazia ligação com a rua Barão de Itapetininga.

Logo depois seguia a pé para o Cursinho Med na Rua Augusta.

Minha ultima aula acabava às 23:30. Saia correndo para pegar o “negreiro” que passava na avenida 9 de julho.
A última viatura da “Bola Branca” saía às 23:45 da Praça das Bandeiras.
E o derradeiro, “Jardim Ângela” da Viação Jurema, saia às 24:00. Perder um dos dois, era certeza de dormir na rua.   

No cursinho acabei fazendo parte de uma turma que curtia musica no Crazy Cat onde fiz algumas amizades, entre elas a Imma, com quem namorei e acabei casando dois anos depois.

Depois que comecei a namorar essa menina, que na época tinha 16 anos, tinha a responsabilidade de levá-la par sua casa depois das aulas. Ela morava na rua Souza Nazareth, travessa da 25 de março. Para acertar os horários saiamos uma aula antes do final.
Deixando-a em casa saía correndo em direção a Praça das Bandeiras esperançoso de pegar o “negreiro” da Viação jurema- Via Jardim Ângela

O stress de levantar cedo, trabalhar o dia todo, fazer cursinho, voltar pra casa no ultimo ônibus, acabava nos derrubando tanto no trabalho, como na escola. E somando tudo isso atrapalhava na  volta para casa.
Desde que iniciamos o namoro, logo na primeira semana, acabei passando duas vezes do meu ponto no inicio da avenida Guarapiranga.
Logo que entrava no veiculo já buscava um assento para me ajeitar de modo a encostar os joelhos nas costas do banco da frente assim me ajeitando para um longo cochilo.
Na semana seguinte, novamente passei duas vezes o ponto. Na época não havia acostamento e muito menos calçadas.
Era entrar no ônibus, sentar e já começava o cochilo. Depois de algum tempo desenvolvi a agilidade comum nos trabalhadores “dormir em pé” nas conduções quando estava apertado. Tudo corria bem se não houvesse brecadas bruscas.

O tempo foi passando e os cochilos foram aumentando.

Certa noite, na volta para casa, capotei de tal forma que só acabei ao chegar na garagem da Viação Jurema quando fui avisado pelo cobrador que era fim da linha.

Putz! Era quase uma hora da manha e eu estava na garagem... dez pontos depois de minha casa...
Cansado e sonolento fui para a rua a espera de possível condução.

Fiquei no ponto por 15 minutos, mas caí na real que ali não era seguro e nem tinha futuro, pois os carros das empresas se recolhiam a meia noite.

Eram quase 10 quarteirões da garagem até a minha casa..
Com sono e cansado me enchi de coragem e me pus em marcha.

Postes com luzes eram bem espaçados e tudo ficava muito escuro.
Fui caminhando às vezes rápido, outras vezes lento depois de levar 4 tombos pelos buracos que ia encontrando.

Durante todo o trajeto percebi que apenas um carro havia passado.

Bufando e xingando depois de quase uma hora e meia cheguei em casa. Cai na cama morto.

No diz seguinte, tentei ser mais esperto e pedi ao cobrador para me dar um toque ao chegar ao largo de socorro. Tudo certo.

Na semana seguinte, notei um cobrador diferente, tentei fazer amizade com ele, mas o cara também estava com sono e seguia dando os seus cochilos.

Acabei dormindo e acordei novamente na garagem.
Como já tinha experiência me coloquei em marcha e fiquei mais atento aos buracos. Mesmo assim cheguei morto de cansaço.
Essa aventura estava prejudicando meu trabalho e os estudos também.
Mas o namoro ia muito bem obrigado.

De vez em quando ainda perdia dois pontos por causa dos cochilos...

Novamente dormi além da conta e acordei na garagem.  Ficava P... da vida pois já sabia o que me esperava. Aquilo tudo estava me deixando cada vez mais louco.

Nada de ônibus, nada de carros...
De repente ao longe vejo um taxi com o luminoso aceso. Fiz sinal, mas o cara não fez menção de brecar. Pouco tempo depois vejo um carro dando voltando, era o taxi que passava de volta.
De novo o taxi passa por mim, fiz sinal novamente e ele parou 20 metros adiante.
Ele devia estar me estudando pensei.
Com receio fui chegando de mansinho quando de repente a porta se abre e escuto uma voz:
O que você esta fazendo aqui Luigy?
Tomei um susto diante do inusitado.

Meu pai tinha um Auto Elétrico e uma oficina mecânica no Largo do Socorro, onde trabalhei por algum tempo em minha juventude.

Chicão, era o nome do taxista amigo, que me deixou na porta de casa de carona.
Mesmo depois de minha explicação do acontecido, ele me deu bronca por estar vagando por ali naquele horário.
Me alertou que ali a barra era pesada na madrugada e que deveria tomar cuidado ou arrumar uma outra estratégia.

Depois de muito pensar, acabei arrumando uma nova solução.
Nos dias que estivesse muito cansando e nos finais de semana poderia ficar e dormir na casa da namorada com o consentimento de minha querida sogra.

Depois desse arranjo, o incidente nunca mais aconteceu.

Luigy

 

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