sábado, 10 de dezembro de 2011

De Papai Noel pagando mico - Teatro Paulo Eiró -14

            Em 1958, meu pai resolveu mudar de ares, saímos do Horto Florestal, na zona norte, e fomos para o Jardim Paulista, na zona sul.
Aos seis anos, minha mãe quis transferir sua frustração musical me colocando para estudar piano sem me perguntar se era minha vontade. Mas na época criança não discutia.

Ao vir pra zona sul fui colocado em um outro conservatório musical, cuja dona era uma profa. espanhola.
Como já possuía conhecimentos musicais anteriores, logo me deram uma música,  Le Lac de Come para ensaiar. E duas vezes por semana, durante seis meses, era o tempo que levava para decorar aquela música.
Havia momentos que eu tocava de olhos fechados mas viajando e pensando em qualquer coisa menos a música.
Na época tinha 8 anos.        
Após tantos ensaios achava que já estava pronto para passar para outra música.                                                                         
                                                      
Em dezembro, fomos informados que iriamos fazer uma apresentação pública na semana do natal, no Teatro Paulo Eiró, em Santo Amaro.
Seriam doze alunos escalados para a apresentação. Eu seria o terceiro a entrar.

A apresentação também tinha um lado social envolvido que nós alunos desconhecíamos. Dezenas de crianças de um orfanato local estariam entre os presentes e ganhariam lembrancinhas e guloseimas além do evento musical.
Familiares dos alunos também estariam presentes.
Não via a hora de passar tudo isso e me livrar da apresentação.
Gostaria de ter sido um dos últimos a se apresentar para ganhar mais coragem.
Mas fui colocado estrategicamente na lista para ser o terceiro.

Logo que chamaram o primeiro, uma tremedeira tomou conta de mim.
As mãos começaram a suar e o coração a palpitar bem forte.
Lutava internamente entre as possibilidades de esquecerem meu nome ou que me chamassem o mais rápido possível para acabar logo com aquilo.

Afinal chegou a minha hora.
Ao ouvir o meu nome, sai da coxia e entrei no palco.
Havia muita gente na platéia e ouvi muitas palmas...
Ao olhar para a platéia percebi logo de cara a figura do meu primo que fazia caretas e micagens. A platéia parecia ter sumido, somente a cara dele aparecia.
Ele estudava harmônica (sanfona), mas não havia sido escalado para participar deste evento.
O cara fazia tudo que podia para tirar a minha concentração e me azucrinar.

O piano ficava a esquerda do palco e tive que atravessá-lo para chegar a ele.
Ao me sentar na banqueta continuava vendo sua cara na platéia a me gozar.

Eu tinha que começar.
E comecei, fiz tudo direitinho e toquei a musica toda sem errar...
E o primo na platéia gesticulava e falava o tempo todo coisas que eu não conseguia distinguir.
Fechei a música e logo vieram os aplausos de praxe

Estava atordoado com aquilo tudo que não me dei conta de um erro que cometi...
As gozações me tiraram do sério e levaram a iniciar a música em uma oitava acima... e não me dei conta disso. Talvez o público também... mas levei um puxão de orelha da profa. Espanhola.

Assim que sai de cena, fui levado a um camarim e rapidamente fui introduzido dentro de uma fantasia de Papai Noel.
Minha professora e minha mãe iam me colocando dentro de numa fantasia toda vermelha. Em seguida vestiram umas botas pretas e por fim me colocaram uma mascara com barba branca.

Me sentia tremendamente ridículo e tinha dificuldade de enxergar por trás daquela mascara.
A roupa, as botas e mascara eram de números maiores que meu manequim fazendo com que eu dançasse lá dentro.
Me deram a instrução para receber cada novo aluno que fosse anunciado para tocar. E ao final de cada apresentação daria a cada um, um presentinho, que eu não ganhei...

Ao aparecer no palco vestido de papai Noel, fui rapidamente desmascarado pelo
meu primo, que gritava bem alto meu nome dando risadas e pulando como um macaco.
Pra mim um grande vexame!  

Depois das apresentações tive que ir a platéia distribuir lembrancinhas às crianças do orfanato.
Eu era uma criança tentando parecer um mito
Sofri muito em fazer aquele papel
Hoje consigo ver aquele pequeno gesto como algo positivo em relação ao próximo.
Talvez o meu papel tenha levado algum conforto a aquelas crianças e o meu desconforto não tenha sido em vão.


10/12/2011
Luigy     

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